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Descuido além da conta

Ausência de proteção a obstáculos rígidos, escoamento de água inadequado, muretas desiguais e desleixo com manutenção contrastam com asfalto novo e bonito da BR-262

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Foto:

Base da barreira não é eficaz; tampa de saída de água e caixa no meio da mureta (foto abaixo) são situações de impacto gravíssimo

Ao sair da BR-381, em Betim, em direção a Pará de Minas, pela BR-262, o impacto visual é certo: o asfalto está novo, há homens trabalhando na pista e chega a dar gosto ver a estrada. Beleza passageira. Em meio ao asfalto recém-recapeado, mais uma vez as muretas de concreto, que deveriam servir de proteção aos veículos, estão cercadas de perigos. Na terceira reportagem da série que mostra as armadilhas que há por trás (ou pela frente) desses muros e em outros pontos das estradas que passam por Belo Horizonte, o caderno Vrum foi além das denúncias do instrutor de direção defensiva Rogério Mateus, cujas preocupações com a enormidade de acidentes possivelmente agravados por tais obstáculos deram origem a esta série, e selecionou pontos considerados criminosos por especialistas em segurança, que analisaram fotos feitas pela reportagem.


“Esta situação é gravíssima. Aqui não há mureta de proteção. O que se tem é um plano inclinado bastante acentuado e, no chão, existe uma caixa de concreto. Se um carro estiver, por exemplo, a 100km/h e bater nesta caixa, é como se o impacto fosse a 200km/h”, afirma o engenheiro mecânico pós-graduado em engenharia de segurança do trabalho Decio Luiz Assaf, membro do Comitê de Segurança Veicular da Sociedade de Engenheiros da Mobilidade (SAE Brasil), referindo-se a uma caixa de concreto existente à beira da barreira que divide as pistas, obstáculo mortal em caso de acidente. Segundo ele, a caixa deveria estar protegida por guardrail, começando cerca de 30 metros antes.

 

No quadro abaixo, você confere as outras matérias da série sobre segurança nas estradas!


Assaf também condena a existência de bueiros com e sem tampa às margens da mureta de proteção. “Se pegar, conforme o ângulo, o carro vai tender a decolar ou a capotar”, diz. “O motorista dirige e não percebe os obstáculos, da mesma cor do muro, como essa tubulação com tampa. A pintura é toda da mesma cor, como se estivesse tudo bem, e não está. O ideal é que fossem retirados, mas não sendo possível, deveriam ser pintadas em tons bem fortes”, acrescenta o professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Ronaldo Guimarães Gouvêa, especialista em engenharia de transportes.
Outro problema são as canaletas próximas às muretas, que tiram sua função de proteção. “Há outras formas de se fazer o escoamento da água. Por exemplo, fazendo sua captação por pequenas aberturas na parte inferior da mureta e mandando para um coletor subterrâneo”, explica Assaf. Ainda para ele, a rodovia apresenta muros desiguais, não havendo uma constância. No exemplo em que parte da barreira foi rompida, ele comenta que as três inclinações existentes não são comuns nesse tipo de mureta e podem ter facilitado a subida acentuada do veículo no muro.


Situação corroborada pelo professor do Cefet-MG Santelmo Xavier Filho, engenheiro civil e de segurança: “A mureta quebrada não contribui para evitar acidentes. A ocorrência de constantes acidentes em um local deveria provocar automaticamente um reestudo do traçado, da sinalização, do piso da rodovia, da redução das velocidades máximas ali permitidas e da necessidade de implantação de medidas adicionais de segurança”. O professor acrescenta que muretas podem ser feitas com concreto emborrachado, o que é bom para a sustentabilidade do planeta, uma vez que são reaproveitados os resíduos que antes ficavam jogados ao relento, possibilitando a procriação do mosquito da dengue.


O Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), responsável pelo trecho, não respondeu até o fechamento desta edição.

Inclinação errada pode ter facilitado subida do veículo

 

Ponto crítico
Na maioria dos acidentes, a culpa é do motorista?

Sim
Ronaldo Guimarães Gouvêa,
especialista em engenharia de transportes

Em 90% dos acidentes a culpa é do motorista, sim. Só ocorrem porque as pessoas estão em excesso de velocidade, fazem passagens forçadas, bebem e dirigem. É claro que há descaso do governo em termos de manutenção. Essas fotos mostram isso. E há também o problema dos veículos, que são inseguros. Itens de segurança como freios ABS e airbags só serão exigidos no Brasil em carros novos em 2014, por exemplo. Mas acho prioritário aumentar a fiscalização no trânsito. Andamos quilômetros e quilômetros sem ver sequer um policial. E vejo muita gente dirigindo de maneira irresponsável. Se respeitássemos os 110km/h, não teríamos muitos dos acidentes que ocorrem. É claro que problemas como os mostrados por essas fotos podem gerar acidentes (um em cada sete ou oito ocorrem em decorrência de problemas nas vias) e há necessidade de consertar as rodovias, mas a grande causa é a imprudência, encorajada pela falta de fiscalização.


Não
Rogério Mateus,
instrutor de direção defensiva

Muitos acidentes acontecem por um descuido – não necessariamente imprudência – e são agravados pelas condições das pistas. O problema é que o acidente acontece, o carro bate no muro de concreto que divide as pistas, capota ou até é arremessado para o outro lado, e fica como se a culpa fosse do motorista. Só que ninguém fala das condições que culminaram em uma grande tragédia. E, pelo que tenho notado, em muitos casos é a própria mureta, inadequada, que agrava o acidente. Vejo marca de pneus a toda hora nas muretas de nossas estradas. O carro bate no muro, às vezes até por ter levado uma fechada ou para desviar de alguma coisa, sobe e não consegue retornar à pista. Ou cai em uma sarjeta dessas. Aí, o que poderia ser uma simples batida acaba virando um acidente de enormes proporções. Não podem dizer que 90% dos acidentes são ocasionados por motoristas imprudentes. Acredito que muitos têm culpa, sim, mas cerca de 25%. O restante é decorrente das condições das próprias vias. 

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