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CTB - Por que (ainda) não deu certo

Dez anos depois da edição do Código de Trânsito Brasileiro, número vergonhoso de acidentes evidencia que muito precisa ser feita para evitar caos nas cidades e rodovias

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O Código de Trânsito Brasileiro (CTB) completa hoje 10 anos. A Lei 9.503, de 23 de setembro de 1997, que entrou em vigor quatro meses depois de sua promulgação, em janeiro de 1998, veio com a promessa de mais rigor e educação no trânsito e a esperança de reduzir a carnificina nas cidades e estradas. Uma década depois, a situação é caótica e a divulgação de 35 mil mortes no trânsito por ano parece não assustar. As multas pesadas e o medo de perder a carteira que angariaram o respeito da população logo no início da implantação do código caíram no descrédito diante de fatores como impunidade, por um lado; abuso de autoridade, por outro; e, sobretudo, falta de ações para a tão prometida educação, que ainda não saiu do papel. Especialistas e autoridades, no entanto, acreditam em melhorias a longo prazo, desde que sejam tomadas medidas que, de fato, cumpram os objetivos do CTB, que é reconhecido como um dos melhores códigos do mundo, mas não é aplicado em sua essência. Veículos ouviu autoridades e especialistas nas diversas áreas ligadas ao trânsito, que disseram por que o CTB (ainda) não deu certo.

"O CTB trouxe um fator fundamental, que não tinha no antigo código, que é a educação. Mas avançamos muito pouco nisso, apesar da filosofia de cidadania e participação. Houve avanços, como no uso do cinto de segurança, mas muita coisa nos deixa apreensivos e os números não são de comemorar. Precisamos investir e buscar parcerias com a sociedade, os meios de comunicação, as ONGs. E também precisamos de medidas de maior impacto na fiscalização para tornar os motoristas mais conscientes"
Oliveira Santiago Maciel - Chefe do Detran-MG

"A curto prazo precisamos de fiscalização; a longo prazo, de educação. O CTB deu certo em parte. Veio para modificar uma situação que, se mantida, tornaria o Brasil hoje um grande cemitério de vítimas (maior do que tem sido). É um código reconhecido por vários países do mundo. Mas entre o que está escrito e sua aplicação há diferenças, talvez até pelo tamanho do Brasil e diversidade de características. Nos países em que há menos acidentes, o trânsito é tratado como prioridade nacional"
Fabio Racy - Presidente da Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (Abramet)

"Falta aplicar o código nos locais em que não é aplicado, nas rodovias e nos municípios que ainda não assumiram a gestão do trânsito (em Minas, só 28). Em Belo Horizonte, por exemplo, aplicamos o código e houve evolução. O número de mortes por 10 mil pessoas caiu de 10 para duas. E outra coisa é que falta investir em educação, mudança de cultura e de paradigma. Mas temos um problema, que é o contingenciamento dos recursos pelo governo federal"
Ricardo Mendanha - Diretor-presidente da BHTrans

O código está cumprindo seu papel de alguma maneira. Mas falta educação, um ponto tão discutido, mas pouco implantado. É preciso investir na educação de crianças e adolescentes, para que possamos ver o reflexo nos próximos 10 anos. Outro problema é que houve acomodação e, talvez, um dos fatores seja o não-reajuste do valor das multas. E, além disso, o Contran tem se especializado em fazer normas complexas"
Marcelo José Aráujo - Professor de direito de trânsito

"O Brasil tem um bom código, o que nos falta é respeitá-lo. Faltam várias medidas como a implantação da inspeção veicular, assim como acabar com a impunidade, mas o fundamental é que o trânsito se torne prioridade do governo, em especial a segurança. Vemos várias medidas para melhorar a fluidez, mas muito poucas voltadas para a segurança. A partir do momento em que o governo eleger o trânsito como prioridade, vai melhorar. Só que, infelizmente, acho que estamos longe disso"
Jota Pedro Corrêa - Consultor do Programa Volvo de Segurança no Trânsito

"Houve uma evolução, mas o número de acidentes ainda é alto. Precisamos de ações preventivas e campanhas educativas. Mas isso é problema mundial. Os piores fatores: falta de cinto de segurança e capacete, uso de álcool, excesso de velocidade e transporte inadequado de crianças. É comum haver questionamento quanto às regulamentações feitas pelo Contran. O antigo código era de 1966 e até 1997 o Contran ainda estava baixando resoluções. Isso é aprimorado ao logo do tempo. O CTB trouxe novidades como a educação nas escolas, que ficou pendente de regulamentação pelo Ministério da Educação. Só agora decidiu-se pela transversalidade. Em vez de uma matéria única, o assunto será abordado em todas as disciplinas. Outra figura importante é a fiscalização do uso de recursos de multas pelos Tribunais de Contas e Procuradoria da República"
Alfredo Peres da Silva - Diretor do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran)