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Criação - Forma e função

Designers têm grande preocupação com a estética ao projetar veículos, mas além de agradar ao público, as linhas também devem conciliar aspectos técnicos e construtivos

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O design do Sandero e do Logan proporciona um baixo custo de produção

Durante a fase de projeto dos veículos, os fabricantes lançam mão de recursos estilísticos pensados para agradar ao maior número possível de compradores. As questões que fazem os consumidores acharem os automóveis bonitos ou feios são subjetivas, mas as decisões do designer não se restringem ao gosto pessoal. Além da estética, os profissionais da área do design também têm que levar em consideração questões como funcionalidade, segurança, custo e resistência. Descubra alguns dos critérios que regem as linhas dos veículos atuais.

EVOLUÇÃO

O estilo dos automóveis passa a seguir diferentes tendências com o decorrer do tempo. Enquanto na década 1970 a maioria dos veículos apresentava linhas retas e cantos vivos, nos anos 1980 a preocupação com a aerodinâmica começou a se tornar evidente, enquanto os carros dos anos 1990 foram marcados por traços arredondados. No século 21, estão em voga os vincos na lataria, a linha de cintura mais alta, colunas grossas e teto em forma de arco.

De acordo com Jairo Drummond Câmara, coordenador do Centro de Pesquisa em Design da Escola de Design da UEMG, as mudanças às quais os automóveis são submetidos são consequências do constante aperfeiçoamento das técnicas produtivas e do funcionamento do automóvel. "As formas, as tendências, nada disso é banal. Isso é determinado por questões complexas" explica.

Luiz Dutra, Coordenador do Curso de Design Automotivo da Fumec, reforça a funcionalidade que o design deve proporcionar: "No automóvel, a gente tem duas partes: uma é a técnica e a outra, o estilo. A carroceria tem que ter um volume habitável, bom acesso e ainda tem toda a parte mecânica".

Peter Fassbender, gerente do Centro de Estilo que a Fiat mantém no Brasil, também destaca a integração que o design de um veículo tem que manter com outras áreas. "Olha-se muito se o projeto respeita os processos de engenharia. Segurança, visibilidade, tudo caminha junto". Ele ressalta ainda que o foco do designer se modifica em diferentes períodos. "A cada 10 anos, os volumes dos carros mudam. Atualmente, os carros aproveitam muito bem o espaço. É essa a tendência."

SEGURANÇA

Entretanto, nota-se que em determinados aspectos, carros projetados em décadas passadas levam vantagem se comparados aos modelos contemporâneos. A tendência de produzir veículos com colunas largas e traseira alta diminui a visibilidade. Quem entra em um Uno ou em um Palio, por exemplo, logo percebe a melhor visibilidade do primeiro, projetado mais de 10 anos antes do segundo. Em carros de outras marcas, a situação não é diferente.

Dutra concorda que, em visibilidade, os carros projetados há 10 ou 20 anos costumam levar vantagem, mas explica que as modificações foram feitas em função da segurança: "A necessidade de suportar impactos provocados por acidentes fez com que as carrocerias se tornassem mais rígidas. O aumento na área das colunas é uma consequência disso". Já Câmara aposta em novos equipamentos para atenuar o problema. "Há soluções tecnológicas, como sensores de estacionamento e câmeras de retrovisão, que não existiam há10 anos".

Outra concessão à segurança foi o aumento na altura do capô em relação ao solo. As frentes estão mais altas, o que compromete um pouco a aerodinâmica, mas proporcionam mais segurança em caso de atropelamento. O capô passa mais longe do bloco do motor, diminuindo os ferimentos em pedestres em caso de atropelamento. "A frente mais alta ainda permite que os faróis também sejam posicionados em nível elevado, o que torna a iluminação mais eficiente," acrescenta Fassbender.

CUSTO

Outra preocupação dos designers na hora de projetar um automóvel é o custo. Carrocerias com linhas mais elaboradas costumam resultar em produção mais cara, o que aumenta o preço para o consumidor e reduz a margem de lucro das montadoras. Câmara cita os modelos Logan e Sandero, da Renault, para ilustrar essa situação. "O dois foram pensados para baixar o custo de produção", explica. Os vidros quase planos nas portas e no para-brisa e as chapas da carroceria bem lisas foram desenvolvidas visando facilidade no processo de fabricação. Fassbender também menciona a economia como uma prioridade. De acordo com ele, a evolução no design permitiu diminuir etapas na linha de montagem. "Quando se olha os carros de 40 anos atrás, percebe-se que as carrocerias são muito curvas. Para produzi-las, as fábricas tinham sete ou oito prensas. Atualmente, elas têm quatro ou cinco," diz.

MARCAS

As fábricas costumam ter prioridades diferentes quando estão desenvolvendo novos produtos. Os designers seguem parâmetros que são estabelecidos por cada montadora. "A Alfa Romeo, por exemplo, tem uma história riquíssima, com várias participações em corridas. O designer tem que relacionar o novo modelo com a história da marca", explica Dutra. Nos veículos da montadora italiana, um dos elementos de design mais marcantes é o escudo triangular na dianteira, no qual está inserido o símbolo da marca. A Alfa Romeo chama o elemento de Cuore Sportivo, que em português significa coração esportivo. De acordo com Dutra, o escudo é uma tradição da montadora. "Ele pode mudar um pouco de um modelo para o outro, mas a forma básica é sempre a mesma." Outro exemplo citado por Dutra é o símbolo da Volkswagen: "Os carros da marca alemã têm que carregar uma identidade muito forte. As colunas traseiras são bem largas e as chapas da lataria lisas, para dar uma ideia de robustez. Modelos diferentes são muito parecidos uns com os outros". Ao estabelecer uma identidade característica, o fabricante permite que o consumidor reconheça facilmente sua linha de produtos.

Além de manter a identidade, uma tendência lançada por certa montadora pode revelar preocupação com algum fator funcional. Câmara lembra o estilo adotado pela Ford em meados da década de 1990, batizado de New Edge, que mesclava linhas curvas com ângulos retos, enquanto as demais marcas seguiam um estilo mais arredondado. "Esse estilo diferente para a época permitia aumentar a resistência da carroceria a pequenos impactos", conta Câmara. Ka e Focus, em suas primeiras gerações, foram dois dos representantes mais marcantes do New Edge. Ambos causaram estranheza a vários consumidores no lançamento, devido ao design incomum até então.

Volkswagen: a linha inteira mantêm uma forte identidade, com elementos característicos



CONSUMIDOR

Além de ter que levar em consideração todas as questões voltadas à funcionalidade e à construção, o design também deve agradar ao consumidor. "O design é atualmente a peça chave na hora de comprar um carro, porque a tecnologia dos fabricantes é muito parecida", conta Dutra. O designer tem que criar carros que atendam aos parâmetros estabelecidos pelas montadoras, que estejam de acordo com todas as necessidades técnicas e, ao mesmo tempo, sejam marcantes e satisfaçam os anseios do público. E o gosto do consumidor também muda ao longo dos anos. "O ser humano vai seguindo diferentes tendências com o passar do tempo, e isso é refletido em suas criações, como na moda, na arquitetura e no automóvel", conclui Dutra.

Fassbender conta que o tipo de veículo que o designer tem que desenvolver gera prioridades opostas. Os problemas funcionais são diferentes, mas os consumidores também buscam características distintas em cada segmento. "Em um carro esportivo, as rodas devem ser maiores, a carroceria mais baixa e o espaço interno é menor. Já em um carro de família, há mais vidro e mais espaço interno", diz.