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Cinto em ônibus - Viagem insegura

Maioria dos passageiros não usa o equipamento por falta de hábito e quem faz questão é ridicularizado. Poucos motoristas alertam passageiros antes da partida

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O mecânico Adelzito de Souza Araújo procura o cinto e faz malabarismos para conseguir passá-lo para cima do banco e finalmente encaixar o dispositivo para chegar com segurança a Juatuba, na Região Metropolitana de BH

Além da obrigatoriedade prevista pelo Código de Trânsito Brasileiro (CTB), o uso do cinto de segurança por passageiros de ônibus, em viagens intermunicipais ou interestaduais, é disciplinado pela Resolução 643, de julho de 2004, da Associação Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), que exige recomendação do motorista antes da partida. Mas, na prática, grande parte dos viajantes de ônibus diz nunca ter ouvido a recomendação ou, pior, alguns relatam ter escutado o pedido do motorista apenas diante de fiscalização iminente. Em mais uma reportagem abordando o tema segurança, o caderno de Veículos do Estado de Minas ouviu motoristas e passageiros de ônibus e uma enquete foi realizada pelo Portal Vrum: mais da metade das pessoas disse não usar o cinto em viagens de ônibus. O mesmo resultado foi encontrado em pesquisa realizada pelo Departamento de Estradas de Rodagem (DER) de Minas Gerais, a ser publicada em breve.

A primeira dificuldade está na simples existência do cinto, que é exigido somente para ônibus e microônibus fabricados a partir de 1º de janeiro de 1999, de acordo com a Resolução 14 do Conselho Nacional de Trânsito (Contran). Quase nove anos depois, no entanto, boa parcela da frota já foi renovada e grande parte dos ônibus examinada por Veículos na rodoviária de Belo Horizonte tinha o equipamento. Porém, na maioria o cinto estava debaixo dos bancos, dificultando ou até mesmo impossibilitando seu uso.

"Quando tem, uso. Mas nem sempre tem. Acabei de vir de Vitória e o motorista não pediu para usar", Nélson Shimoda, vendedor. "Não uso. Nunca vi motorista pedir", Ana Délia Rosa Orlandi, estudante


Troca
"Viajei 1,9 mil quilômetros, de Guaraí (TO) até Belo Horizonte. Houve troca de motorista a cada quatro horas e só um deles pediu para colocarmos o cinto, mesmo assim porque poderia haver fiscalização", conta o comerciante Walter Reis, afirmando fazer questão de usar o cinto sempre. "O motorista não pede. Ninguém usa, então você nem lembra", acrescenta a auxiliar de serviços Régia Chaves. Ela está entre os 55,5% de passageiros entrevistados na rodoviária de Belo Horizonte, que disseram não usar o cinto. A maioria por falta de lembrança e poucos por achar incômodo.

Outros 29,6% disseram fazer questão do cinto. "Eu já deixei de viajar por uma determinada empresa, porque os ônibus não tinham cinto. Faço questão, mas vejo que a maioria não usa", diz a aposentada Rachel Kux. "Eu uso e tem até gente que me chama de boba. Mas lei é lei", completa a franciscana irmã Rosa. "No Rio de Janeiro, dá multa, então é a primeira coisa que eu faço", enfatiza a empresária Gilda Alvarenga. Os demais 14,8% disseram pôr o cinto somente quando o encontram facilmente. Na enquete realizada pelo Vrum, somente 22,6% disseram usar o equipamento.

Fiscalização
Ainda na rodoviária, uma boa surpresa: minutos antes de seguir viagem, o motorista Jeremias Martins faz uma explanação que lembra as recomendações dos comissários de bordo, antes de uma decolagem. Depois de indicar as saídas de emergência, ele pede que os passageiros usem o cinto e finaliza: "Tenham todos uma boa viagem e que Deus nos acompanhe". A atitude não é em vão, mas Jeremias e outros colegas lembram que muitas vezes os passageiros põem o cinto no momento da explanação, mas tiram em seguida. E, na maioria das vezes, quando há um ou mais passageiros sem cinto, o multado é o motorista.

O superintendente de Serviço de Transporte de Passageiros da ANTT, José Antônio Schmitt de Azevedo, reconhece a dificuldade no controle do passageiro, que não tem a cultura de usar o cinto. Mesmo assim afirma que a única maneira de fiscalizar é multar a empresa. "É uma injustiça, mas não temos poder de polícia sobre o passageiro", diz. "O passageiro sem cinto fica ao sabor da batida, causando prejuízo não só a si como a outros viajantes, pois pede ser arremessado contra um deles", justifica, ponderando a necessidade de campanhas educativas, o que já ocorre por meio de alguns convênios. Postura parecida tem a Polícia Rodoviária Federal (PRF) que autua o motorista.

Hábito
A falta de costume é o grande problema também na opinião da chefe do Núcleo de Educação para o Trânsito do DER-MG, Rosely Fantoni, que acaba de finalizar pesquisa com passageiros de ônibus. Os resultados ainda não foram publicados, mas ela adianta que chamou a atenção o fato de a maioria das pessoas dizer que não usa o cinto quando está de ônibus, mas usa quando anda de carro. Com relação à exigência do cinto apenas nos ônibus produzidos a partir de janeiro de 1999, ela afirma que o DER deu prazo para renovação da frota que circula no estado até 2014.