Apesar de demorada e onerosa, a Justiça ainda é a única saída para garantir direitos mínimos, quando desrespeitados, seja por cidadãos comuns, seja pelo próprio poder público. No último sábado, matéria publicada por Veículos mostrou o drama do técnico em mecânica Saulo Vinícius Teixeira Marquito, que teve a motocicleta Honda CG apreendida irregularmente em blitz em Belo Horizonte, no início do mês. Segundo ele, policiais militares e agentes da BHTrans alegaram falta de pagamento da taxa de licenciamento. Cobrança, porém, que não é exigida para veículo zero quilômetro, caso de sua motocicleta. O erro foi confirmado pelo Detran-MG, que, apesar da verificação, exigiu o pagamento das taxas de reboque e diárias do pátio de apreensão (R$ 264, no total), tendo em vista não ter sido o responsável pela falha. Advogados acreditam não só em reparação por dano moral como na atuação do Ministério Público.
Para o professor de direito de trânsito da Universidade de Curitiba Marcelo José Araújo, casos como o do mecânico, que podem acontecer a quaisquer cidadãos, devem ser questionados e levados a conhecimento público: "Não se justifica um erro dessa natureza. Ou mostra despreparo das autoridades ou que fizeram intencionalmente". Segundo ele, desde que provada a improcedência da apreensão, cabe uma ação ordinária, com o pedido de ressarcimento do prejuízo, o que precisa ser feito na Justiça comum, já que os juizados de pequenas causas não podem atuar contra o Estado. O grande problema é o tempo que leva esse tipo de ação e o gasto financeiro. Procurar a Defensoria Pública seria outra saída, porém somente para quem comprovar não ter renda suficiente para o pagamento de um advogado.
Para o professor, uma atitude importante seria fazer uma denúncia ao Ministério Público (MP) ou Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), tendo em vista ser uma situação que pode ser comum a muitas pessoas. "O abuso deve ser levado a conhecimento do MP, que pode punir os responsáveis", diz. De fato, de acordo com a assessoria de imprensa do MP, esse é um caminho possível. Mas o primeiro passo é encaminhar a queixa à Procuradoria-Geral de Justiça, cuja assessoria especial analisará o caso para destiná-lo à promotoria competente. A representação pode ser feita por qualquer cidadão, de próprio punho ou pela internet (www.mp.mg.gov.br), opção que garante retorno mais rápido sobre a reclamação.
Cidadania
Presidente da Comissão de Defesa do Consumidor da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), seção Minas Gerais, o advogado Geraldo Magela Freire acredita que vale a pena entrar na Justiça, apesar do baixo valor da causa. Ele acrescenta que, além do pedido de ressarcimento da quantia paga, cabe dano moral e enfatiza que, acima de tudo, é preciso exercer a cidadania. "Ou você torna a Justiça acessível para o cidadão, ou não faz sentido. É uma questão de interesse público e a prestação de um serviço para a sociedade", diz. "Houve uma apreensão arbitrária de um veículo que possivelmente era usado para trabalho. E, como era uma sexta-feira à tarde, ele só pôde liberá-lo na segunda-feira, ficando impossibilitado de usar o veículo, além do aborrecimento. Deve entrar na Justiça", completa.
O fato de a apreensão ter ocorrido em uma sexta-feira à tarde também o intriga. "Isso é algo forçado. Não dá opção para o cidadão. Aqui em Curitiba, quando um veículo é apreendido em uma sexta-feira, depois de horário de banco, só é cobrada uma diária, a não ser que o condutor não vá retirar o veículo na segunda-feira. Acredito que o objetivo dessa atitude merece uma revisão", diz Marcelo Araújo. Independentemente do motivo da apreensão, os valores de reboque (R$ 152) e diárias (R$ 28, cada) cobrados pelos pátios de apreensão terceirizados pelo Detran-MG também são questionados. O especialista em recurso de multas Leonardo Saliba lembra que estão em desacordo com a Tabela D, que estabelece os preços a serem cobrados por atos da administração de trânsito. "Os valores legais são de R$ 85 para o reboque e em torno de R$ 8 para cada diária. Já ganhei várias ações neste sentido", afirma.
Sindicância
Na semana passada, a Polícia Militar havia informado que o motivo da apreensão da motocicleta do mecânico não era a falta de pagamento da taxa de licenciamento, mas da última parcela do IPVA. Porém, Veículos teve acesso à data de pagamento das duas últimas parcelas do imposto, que é 20 de abril. Novamente questionada, a PM informou que já abriu sindicância para apurar o caso e que os comprovantes serão requisitados ao Detran. "Esse tipo de conduta não é procedimento nosso. Nossos agentes não fazem apreensão ao bel-prazer. E o sargento responsável, no dia, é muito criterioso", afirma o major Lemos, comandante da 1ª Companhia de Trânsito Independente da PM. Segundo ele, se ficar constatado erro por parte da PM, o responsável poderá ser punido internamente.