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Abuso de poder - Ditadura no trânsito

Polícia Militar e BHTrans erram no conhecimento da lei e fazem apreensão irregular de moto zero-quilômetro. Além da dor de cabeça, proprietário fica com o prejuízo

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"Disseram que iriam apreender de qualquer jeito e não quiseram conversa, nem o policial nem o agente da BHTrans", Saulo Vinicius Teixeira Marquito, técnico em mecânica

A taxa de renovação do licenciamento anual, como o próprio nome indica, trata-se de uma renovação e, logo, não é devida para veículos zero-quilômetro, cujo primeiro licenciamento depende apenas do pagamento de IPVA e seguro obrigatório, proporcionais à época do ano em que foi feita a compra. No dia 9, o técnico mecânico Saulo Vinícius Teixeira Marquito foi parado em uma blitz na Avenida Guarapari, no Bairro Santa Amélia, região da Pampulha. E, apesar de estar corretamente licenciada, a motocicleta Honda CG zero-quilômetro de sua propriedade foi apreendida por falta de pagamento da taxa de licenciamento.

Saulo tentou argumentar que o próprio fato de a motocicleta ter sido emplacada e o Certificado de Registro de Veículo (CRV) 2007 emitido pelo Detran-MG indicava que o veículo estava devidamente licenciado. Tentou dizer, ainda, que a taxa, que é de renovação, não é cobrada para o veículo zero-quilômetro. Em vão. "Disseram que, no site do Detran, estava em branco e que iriam apreender a moto porque eu não havia pago a taxa deste ano. Falaram que iriam apreender de qualquer jeito, e não quiseram conversa, nem o policial nem o agente da BHTrans", lembra Saulo.

Muito dinheiro
Coincidência ou não, o fato se deu em uma sexta-feira, no fim da tarde, quando já não havia tempo hábil para o mecânico ir até o Detran para liberar o veículo, que teve que ficar preso até a segunda-feira, o que significou uma dívida de quatro diárias, de R$ 28 cada, no pátio de apreensão do Detran, que é terceirizado, além de R$ 152 do reboque. "Quando cheguei ao Detran para regularizar tudo, na segunda-feira, confirmaram que eu estava certo e que não teria que pagar a taxa. Disseram também que a apreensão tinha sido irregular", conta. "Mesmo assim, exigiram o pagamento das diárias e do reboque."

Ainda tentando se livrar de uma dívida, indevida, Saulo afirma que conversou com delegados no Detran, mas a resposta foi seca: "Falaram que, como a apreensão foi feita pela Polícia Militar e o Detran é Polícia Civil, não teriam como me liberar dos pagamentos para a retirada da moto. Disseram que não poderiam fazer nada e que era para eu pagar tudo e depois correr atrás". E foi o que Saulo fez: "Paguei tudo e retirei a moto, pois preciso dela para trabalhar. Agora estou procurando um advogado para ver meus direitos". O mecânico sabe que, além de tudo, ainda vai receber uma multa, em casa, pela infração que não cometeu: falta de pagamento da taxa de licenciamento. Procedimento normal quando ocorre uma apreensão motivada por infração de trânsito.

Nada a fazer
Consultado, o Detran-MG confirmou toda a história, inclusive o fato de, curiosamente, nada poder fazer a favor do mecânico, injustamente punido por erro da Polícia Militar e/ou da BHTrans, embora os pátios, apesar de terceirizados, sejam de sua responsabilidade. De acordo com o órgão, a apreensão foi de fato indevida e houve erro na bliz por parte de quem aplicou a punição, mas "o pátio, que é terceirizado, fez um serviço e deve receber por ele". Ainda conforme o Detran, cabe a Saulo entrar na Justiça e pedir o ressarcimento a quem errou, seja a PM ou a BHTrans.

De acordo com a advogada Luciana Mascarenhas, especialista em trânsito, além do ressarcimento, cabe reparação por dano moral (artigo 5º, inciso X, da Constituição Federal, com artigo 186 do Código Civil). "Constitui abuso de autoridade, punível na forma da lei, qualquer ato do poder que atente contra os direitos e garantias individuais do homem inerentes, entre outros, à sua liberdade de locomoção, sem amparo legal ou sem se revestir das formalidades legais", afirma. Segundo Luciana, sendo praticado um ato abusivo ou com excesso de autoridade, que cause dano material ou subjetivo ao cidadão, cabe ao Estado ou município compor os danos. E, nesse caso específico, como se trata de erro do servidor, perdendo a ação o Estado pode cobrar a dívida do responsável pelo erro.

Outra solução para o caso, conforme a advogada, seria ter entrado com um Mandado de segurança, antes do pagamento de todas as taxas exigidas para a liberação da moto. Sendo concedido, o veículo seria liberado e a ação prosseguiria normalmente. No entanto, ela lembra que, infelizmente, o custo é alto, o que faz com que a maioria das pessoas desanime de recorrer ao Poder Judiciário em situações como estas.

IPVA
De acordo com o major Lemos, comandante da 1ª Companhia de Trânsito Independente da PM, o sargento responsável pela blitz no dia foi consultado, afirmando que o motivo da apreensão não foi a falta de pagamento da taxa de licenciamento, mas da terceira parcela do IPVA, que não constava no sistema no Detran, como paga, no momento da blitz: "O sistema do Detran leva um certo tempo para computar o pagamento. O motivo deve ter sido este". Já a BHTrans se esquivou, afirmando que o procedimento é de responsabilidade do estado.

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