O mineiro Felipe Zanol, o mais bem-sucedido e carismático piloto de enduro e rali do Brasil, contratado pelo HRC (divisão de competições da Honda, em inglês), conta pela primeira vez, em entrevista exclusiva, sua participação no desenvolvimento da CRF 450 Rally, sobre o acidente na preparação para o famoso rali Dacar 2013, que agora é disputado na América do Sul, sua recuperação e carinho dos admiradores.
Minas Gerais é um celeiro de pilotos do fora de estrada. A que você atribui isso e como foi seu começo nesse esporte?
Minas é realmente um celeiro de bons pilotos. Eu comecei fazendo trilhas na Grande Belo Horizonte, com meu pai, Jacy Zanol, em 2001. Depois parti para as competições, conquistando 10 Campeonatos Brasileiros de Enduro, Rali dos Sertões, além de vários títulos mineiros e provas isoladas.
Como foi a profissionalização?
Foi por meio do amigo Rômulo Filgueiras, da Motostreet, que me possibilitou disputar o brasileiro. Esse incentivo fez com que fosse me profissionalizando aos poucos, até ganhar meu primeiro título nacional, em 2003.
Você representou o Brasil em diversas competições internacionais. Qual a importância desse intercâmbio?
Tem muito a ver com o Bernardo Magalhães (piloto mineiro campeão nos anos 1990). Em uma etapa do Mundial de Enduro disputada em Minas, em 1997, fui com meu pai assistir e fiquei apaixonado com aquilo. Pus na cabeça que teria que disputar o Mundial e fui morar na Europa. Acertei com o amigo Rui, dono de uma equipe em Portugal e fui campeão português já no ano de estreia e bicampeão no ano seguinte, além de sétimo colocado no mundial.
Houve problemas na adaptação à Europa?
Houve muito sofrimento. Tudo era muito diferente do que eu estava acostumado. Mas estava lá para aprender e o Rui me ajudou muito nesse aprendizado, em treinamentos e em tudo. Daí eu fui evoluindo. No Brasil, eu havia sido campeão em 2007 pilotando uma moto com motor do tipo dois tempos. Na Europa, eu passei a utilizar uma quatro tempos, o que dificultou mais na adaptação. No Mundial, fiz várias etapas, algumas em que quase ninguém terminou tal a dificuldade. Largavam 120 motos, terminavam 50. Eu ia lutando e terminava. Fiquei em sétimo, melhor resultado de um brasileiro, mesmo sem fazer a última etapa, na França, por causa de uma lesão.
Você representou o Brasil também no ISDE (seis dias de enduro internacional, em inglês) mais importante competição mundial da modalidade, disputada anualmente em países diferentes, com times formados pelos melhores pilotos de cada país.
Foram cinco vezes, começando quando foi disputado no Brasil, em 2003 (em Fortaleza, a primeira vez que a competição foi disputada fora da Europa), e também de 2005 a 2008.
Como foi o retorno da Europa para o Brasil?
Voltei porque a economia do Brasil estava em crescimento e a da Europa, em retração. Já havia conquistado a meta dos títulos portugueses e também por causa da família e da oportunidade de me dedicar ao esporte aqui com ainda mais experiência.
O custo das motocicletas e dos equipamentos, ainda na maioria importados, para quem quer ser competitivo ainda é muito alto. Como contornar essa barreira?
É muito difícil. Os amigos portugueses que estão me visitando, se assustaram com os custos das motos e das peças. É difícil entrar no esporte, que exige muitos recursos para competir em alto nível. Assim, é muito importante o apoio dos patrocinadores, que possibilitam a formação do piloto, os treinamentos e competições. Foi isso que me possibilitou ir para Portugal, disputar o Mundial e me aprimorar.
O que deve ter um piloto para ser competitivo?
Dedicação. Antes de tudo, muita dedicação e muito treinamento. O talento é importante, mas a dedicação e os treinamentos acabam por formar um piloto de qualidade e competitivo, aprimorando o talento. Apenas com talento, mas sem dedicação, o piloto não progride.
Sua carreira no Brasil, depois de passar esse tempo fora, decolou novamente.
Depois de voltar da Europa, ainda conquistei mais um título brasileiro, e venci diversos outros torneios e competições. Foi bom ter ido e também ter voltado mantendo a competitividade e de certa forma ajudando, com a troca de experiência adquirida, a elevar o nível das competições e dos competidores nacionais. Tudo graças ao período fora, disputando com pilotos e equipamentos de alto nível.
O ano passado teve ótimos momentos, com a vitória no Rali dos Sertões e a espetacular participação no Dakar. Como foram as duas competições?
2012 foi um ano em que fiz a transição de modalidade, saindo do enduro para o rali, conquistando bons resultados. Ganhei o Rali dos Sertões e fui o 10º colocado no Dacar em minha primeira participação, sendo o melhor piloto não europeu da competição.
Quais são as dificuldades do Dacar?
É quase como se fosse impossível. Você tem que ir aprendendo a fazer a navegação, se adaptando às enormes dificuldades durante a prova, andando 10, 12 horas por dia. No enduro anda-se em relativa baixa velocidade. No rali é velocidade máxima, indo a 160km/h, 170 km/h, e a navegação é diferente, por GPS e por bússola. A organização indica o rumo e o piloto tem que seguir no menor tempo possível, não importa se no caminho tem deserto, montanha etc. O road book (painel com a planilha) também é diferente, mas a experiência na interpretação da planilha (espécie de livro de bordo com a indicação do caminho), vivenciada no enduro, ajudou bastante.
Você teve outras propostas para ser piloto oficial, mas optou pela Honda. Por quê?
Eu já tinha uma história com a Honda no Rali dos Sertões. Optei por continuar com a marca, inclusive em outras competições, com bons resultados. Aí surgiu a oportunidade de integrar o time HRC para rali. Não fiz o Dacar 2013, mas estou muito satisfeito com a marca e com a equipe.
Como foi o desenvolvimento da CRF 450 Rally?
Tudo partiu do zero. A Honda não tinha um time oficial de rali havia 23 anos. Fomos para o Japão e trabalhamos com a equipe de engenharia nos testes, composta por mais de 10 especialistas focados na moto, no acerto da suspensão, do quadro de alumínio, do motor (tem que ser de série), da posição de pilotagem, dos tanques, fora o pessoal de apoio, computação, laboratórios etc. Grande parte de seu desenvolvimento foi feito pelo excepcional e experiente piloto português Helder Rodrigues (líder do time), que já foi 3º no Dakar.
Você foi o melhor piloto Honda no Rali do Marrocos, ficando em 7º, ainda na fase de preparação para o Dakar. Como foi o entrosamento com os técnicos e com a equipe?
O Rali do Marrocos, que inclui em seu roteiro trechos do Dakar, quando era disputado na África, não visou resultados, mas a preparação para o Dakar. Um aprendizado que ajudou muito no acerto das motos. Todos os cinco pilotos e a equipe sempre estiveram bastante unidos, com objetivo comum de colocar o time e a marca no plano mais alto possível. É um projeto a longo prazo, em que pilotos, como eu, vão amadurecendo com a equipe, melhorando os resultados, com um maior entendimento do rali e da moto.
Qual a diferença da CRF 450 Rally e da CRF 450X original em que foi baseada?
O regulamento não permite mudanças radicais e foi alterado em 2009, excluindo motos acima de 450cm³, visando a redução da velocidade e aumento da segurança. Isso motivou a Honda a voltar ao Dakar, com a CRF 450. As mudanças são nas suspensões, no subquadro reforçado, nos tanques – cinco no total, com capacidade de 32 litros para maior autonomia –, nos freios, na instalação dos equipamentos de navegação e de localização, em mousses nos pneus (câmera maciça para evitar furos), suprimento de água, no escapamento esportivo, na refrigeração e no visual. Essas alterações tornam a moto mais pesada, dificultando ainda mais a pilotagem. Porém, os desenvolvimentos depois são compartilhados com as motos de série.
Na última fase de preparação antes do Dacar, no Deserto de Mojave, na Califórnia, nos EUA, no final do ano passado, você sofreu um grave acidente. O que aconteceu?
O terreno lá é parecido com o do Dacar e fazíamos os últimos ajustes. Sofri uma queda a cerca de 100km/h e bati a cabeça no chão. Lembro de partes da cena, mas senti dificuldade em voltar a andar. O piloto Helder Rodrigues foi o primeiro a chegar e acionou o resgate. Foram dois helicópteros, que me levaram (com o Helder) para o hospital em Loma Linda, onde fiquei internado por cerca de um mês, sob cuidados intensivos. Não quebrei nada, o que ajudou bastante na recuperação. Se não estivesse completamente equipado, inclusive com protetor de coluna cervical, as consequências poderiam ter sido imprevisíveis. Em meados de fevereiro pude voltar ao Brasil para continuar a recuperação com muita fisioterapia e avanços diários.
Como foi o período de recuperação nos EUA?
Minha esposa, meu pai e meu amigo Ricardo Lauar (preparador) vieram e me deram muito suporte. Inclusive contando detalhes que eu não lembrava por causa da pancada, ajudando na recuperação. Além disso, os meus patrocinadores e a equipe, aos quais sou muito grato, me deram toda a assistência possível,.
Aqui no Brasil foi feita uma verdadeira corrente positiva. Você soube?
Quando voltei, sim. A torcida veio do Brasil, de Portugal e de várias partes do mundo. Na abertura da Copa EFX em São Paulo, os cerca de 300 pilotos correram com um adesivo de solidariedade, além de reservarem o número 1 para mim, campeão do ano passado. O piloto HRC Javier Pizzolito correu o Dacar com meu nome na moto e a equipe Honda mostrou um bandeira brasileira na largada. Na apresentação da equipe Honda Brasil, mostraram minha foto. Essas demonstrações de carinho têm ajudado muito na minha recuperação.
Quais são os seus planos?
Só estou pensando em minha recuperação total. Nada de projetos, por enquanto. Quero ficar 100% primeiro, focando em uma boa recuperação. Enquanto isso não acontecer, não faço planos.
Qual o recado para seus admiradores?
Muito obrigado pela corrente positiva e pelo carinho. Isso certamente me fortalece e ajuda muito na completa recuperação. Estou me empenhando ao máximo para poder voltar às atividades, o que, tenho certeza, será em breve.