A prestação do carro passou a caber no bolso do brasileiro e a indústria automobilística bate recordes sobre recordes de vendas. Diz o Sérgio Habib, presidente da Citroën do Brasil, que houve um up-grade geral no setor.
"Quem andava a pé, está comprando moto. Quem tinha moto passou para o carro usado. Quem rodava de usadinho jóia pulou para um 'popular' zero. Deste, o salto foi para os compactos de maior cilindrada. E quem rodava de carro médio já desfila de sedã." Teve até a mãozinha do real, que, valorizado, tornou realidade o sonho do importado.
Mas há perigos - a médio prazo - nesta explosão de vendas provocada pelos juros mais baixos e prazos mais longos. O financiamento de um carro novo, que até o ano passado não ia muito além dos três anos, já está hoje em 84 meses: tem gente que, para levar um carro novo para a garage, se compromete durante longos sete anos para saldar a dívida.
Sempre se disse que a melhor marca de automóvel é "carro zero km". Até o ano passado, se o freguês só tivesse saldo na conta bancária para levar um usado, ninguém hesitava em lhe aconselhar a destinar aquele valor para a entrada de um novo e assumir financiamento de dois ou três anos. Afinal, o valor da prestação mensal não iria muito além das despesas de manutenção do usado. Então, elas por elas, era mais negócio levar um carro zero-km.
Entretanto, as coisas mudaram de figura: se o freguês faz conta de centavos para concluir que a prestação do carro zero cabe no seu bolso, ele provavelmente não está levando em conta que, com três ou quatro anos de uso, o novo vira usado. Quando o hodômetro no painel estiver marcando cerca de 50 mil quilômetros, começam a pipocar as despesas mais pesadas de manutenção. Ele tem duas opções: ou paga a prestação no banco ou a conta da oficina. Mas, sem receber pelo serviço, o mecânico não lhe entrega o carro. É mais fácil empurrar a prestação para a frente.
Depois de dois ou três meses de atraso, o banco bate na sua porta para tomar o carro. Com uma provável surpresa: apesar de ter quitado metade do financiamento, ele descobre não ser mais dono de coisa alguma, pois o valor residual do automóvel é inferior a sua dívida.
Até porque a facilidade na venda do carro zero provocou uma redução no valor dos usados. Então, o sonho do zero tem boas chances de se transformar - a médio prazo - num verdadeiro pesadelo. Sobra até para o próprio banco, que financiou a compra com juros mais baixos já que o carro garantia a operação. Mas não vai saber como fechar as contas, pois seu valor de mercado é inferior à dívida.
Cliente e banco só vão perceber o imbróglio em que se meteram daqui a alguns anos. E aí, Inês é morta...
Sonho & pesadelo
No financiamento de automóveis, com prazos de até sete anos, vai ter muita gente se assustando com o tamanho da conta no fim do mês