O ano de 1990 teve um significado especial para o brasileiro, pois ele perdeu um pouco da sua condição de índio e ganhou um verniz de cidadão do Primeiro Mundo.
Além da liberação da importação de automóveis no começo do ano, entrou em vigor em setembro o Código de Defesa do Consumidor. Até então, não havia legislação que o amparasse na relação de consumo.
As fábricas de automóveis, por exemplo, foram induzidas a ter um mínimo de respeito por seus clientes e a reconhecer publicamente, com divulgação obrigatória pela mídia impressa e eletrônica, problemas em seus produtos. É o recall, operação que chama os carros de volta às concessionárias para corrigir defeitos de fabricação.
Até então, o conserto era na surdina: mesmo diante de graves problemas, as fábricas se limitavam a chamar os proprietários por cartinhas. Ou pior: aguardavam que o automóvel fosse levado para a revisão e aproveitavam para repará-lo em sigilo...
Na verdade, houve um recall antes de 1990: foi em 1970, pela Ford, para corrigir a suspensão dianteira do recém-lançado Corcel. Mais do que uma preocupação com seus clientes, foi uma bem-sucedida operação mercadológica que recuperou a imagem e as vendas do modelo.
Hoje, embora já tenha se tornado uma ação habitual, o próprio recall deveria se submeter a reparos, pois:
1 - O consumidor ignora que os defeitos corrigidos se referem a itens de segurança e que colocam em risco sua própria vida: apenas cerca de 50% dos automóveis chamados são levados às concessionárias. Até porque, muitas vezes o anúncio do recall tem um texto ?brando? que não explica objetivamente os riscos envolvidos;
2 - A fábrica estabelece um prazo de 180 dias, mas poucos sabem que ela tem a obrigação de efetuar o reparo mesmo depois desse período;
3 - Cabe ao próprio fabricante decidir sua realização. Ou seja, se o Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC) se inteira do problema, pode exigir que a empresa o faça. Mas, se o defeito não se tornar público, fica tudo por isso mesmo.
É fácil o DPDC agir no caso de produtos mais simples: o fabricante reduziu o volume de azeite ou o comprimento do papel higiênico? Multa nele.
No caso do automóvel, o órgão teria que contar com uma infraestrutura para realizar uma batelada de testes nos modelos sob suspeita. E exigir o recall.
O DPDC faz o que pode, mas tem sua atuação limitada no caso dos automóveis, deixando muitas vezes o consumidor à mercê da consciência do fabricante. Ou seja, da raposa tomando conta do galinheiro...
Recall do recall
O DPDC pode até exigir que o fabricante se manifeste. Mas, se o defeito não se tornar público, fica tudo por isso mesmo...