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Raposa no galinheiro

Sorte do brasileiro é que, apesar da legislação obsoleta, nossos automóveis são exportados e se enquadram nos padrões internacionais de segurança

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Comentei recentemente que estive na China e andei no Chery QQ. É um carro pequeno, com dimensões semelhantes e o mesmo espaço precário do nosso Ford Ka. É difícil elogiar o chinesinho: o motor é 1.1 fraquinho, de apenas 53 cv de potência. O acabamento é de baixa qualidade e o carro - apesar de novo - já vibrava toda a carroceria junto com o motor. Só mesmo o preço lá embaixo e um mercado incipiente explicam a aceitação do modelo, que custa apenas R$ 7 mil. Pouco mais que uma boa bicicleta elétrica vendida lá por R$ 6 mil.

Mas, o que ninguém imaginava, nem seria possível avaliar numa volta de alguns quilômetros, é que o Chery não se enquadra nas exigências de segurança estabelecidas pelos países de primeiro mundo. Não se trata de sofisticados recursos eletrônicos como freios ABS ou airbag, mas no comportamento de sua carroceria, que, no caso de um choque frontal, não pouparia motorista nem passageiros.

O QQ acaba de ser barrado no baile norte-americano, pois foi reprovado nos testes realizados pelo instituto de segurança rodoviária dos EUA, o NHTSA.
Para serem homologados, os modelos da Chery terão que ser completamente redesenhados e submetidos a testes de impacto, um processo que exige cerca de dois anos. Nenhuma novidade: até o Brilliance, um chinês mais sofisticado que briga na faixa do VW Passat, já tinha tomado bomba no EuroNCAP, um instituto de segurança europeu.

O mercado brasileiro está na mira dos fabricantes chineses, alguns de seus modelos já estão sendo importados e comercializados e o Chery é um dos próximos a desembarcar por aqui.

E quais são as exigências do nosso governo em relação à segurança dos automóveis?

Uma legislação antiga, obsoleta, que não acompanhou a evolução tecnológica e defasada em relação ao primeiro mundo. Pior que isso: como não existe órgão do governo capaz de realizar os testes, as montadoras emitem uma "autocertificação" de que seus modelos cumprem a lei.

É mais ou menos como as famosas películas (filmes tipo insulfilm) que eram obrigadas a ostentar seu percentual de transmitância luminosa, pois só agora o Denatran homologou os aparelhos específicos para a fiscalização. É mais ou menos como pedir à raposa para tomar conta do galinheiro...

Aliás, há alguns anos, quando a revista Quatro Rodas decidiu fazer o "crash-test" com alguns modelos nacionais, descobriu-se que alguns cintos de segurança não seguravam ninguém.

Mas a ameaça chinesa foi positiva, pois fez nossas montadoras se mexerem e sugerir ao governo brasileiro que ponha ordem no quintal, atualizando a legislação de segurança e criando órgãos oficiais (ou homologando institutos técnicos) para certificar os modelos comercializados no Brasil.

A sorte do brasileiro é que, apesar da nossa legislação obsoleta, a maioria dos nossos modelos, por ser exportada, obedece aos padrões mundiais de segurança.

E os chineses? O governo vai pedir aos importadores que tomem conta do galinheiro?