Nas décadas de 1950 e 1960, ainda uma criança, mas já apaixonado pelos automóveis, eu admirava o cuidado que muitos tinham pelos seus carros. Na época, quase todos importados: Chevrolet, Ford, Dodge. Um zelo que, particularmente, me chamava a atenção era o estofamento dos bancos protegido por um plástico transparente que envolvia todo o revestimento original , fosse ele couro, tecido, veludo ou outro tipo.
O plástico era uma verdadeira aberração para um país tropical, de sol intenso, e equipamentos de ar-condicionado ainda inexistentes. Acabei descobrindo o motivo do uso do tal plástico desagradável que tanto incomodava – e fazia suar – motorista e passageiros: proteger o revestimento original de manchas, desgaste e sujeiras provocados pelo uso diário do automóvel.
Ou seja, evitaria sua depreciação no momento da venda, quando então se retirava a proteção (o plástico transparente) para entregar o carro em estado de zero-quilômetro para o segundo dono. Este, sim, teria o direito, a menos que mantivesse o plástico para o terceiro, de usufruir do tecido ou do couro, e até, nos mais chiques, do sofisticado veludo.
Foi-se a moda dos plásticos nos bancos, mas outras viriam, especialmente no Brasil, que tornou-se, nas décadas de 1970 e 1980, o único país do mundo a comercializar exclusivamente carros de duas portas. Era comum a esdrúxula cena de madames num verdadeiro contorcionismo para se acomodar no banco traseiro de um Opala cupê com motorista.
A carroceria de duas portas era unanimidade nacional. E os argumentos para defendê-la eram até prosaicos. “Não quero ser confundido com táxi”, ou “é mais seguro para as crianças lá atrás”, ou “menos barulho de porta batendo”, ou “mais fácil de travar” e outras bobagens do gênero.
Não era difícil perceber o que ocorria de fato. Mesmo precisando de um carro de quatro portas, comprava-se o de duas, por ter maior valor de revenda. Era a negação do óbvio. A decisão não pautada para o próprio conforto e prazer, mas para o resíduo contábil da compra.
E outras modas vieram. Uma delas foi a ditadura do “PP”. Durante anos, só se comercializavam automóveis nas cores prata ou preto em todo o país. E quem comprava um carro dessa cor defendia com unhas e dentes sua beleza e praticidade. Era até curioso observar um grande estacionamento com 99% da área colorida de prata e preto. Apesar de a cor preta ser contraindicada num país ensolarado e com elevadas temperaturas na maior parte do ano, pois é a que mais absorve raios solares.
Como explicar a paixão nacional pelo SUV?
Estamos assistindo agora a mais uma radical virada de chave. Ninguém mais quer saber de hatch, perua ou sedã, que entraram em plena decadência. O que está na moda é o SUV, que tomou conta do mercado e virou o grande queridinho do consumidor. E nada justifica, pois modismo é mesmo injustificável.
O SUV, em geral, tem menor porta-malas que os sedãs e peruas. É maior, mais alto, pesado e tem pior aerodinâmica. Então bebe e emite mais poluentes. Tem menor estabilidade porque o centro de gravidade é mais elevado. E a reposição de pneus é caríssima. E ainda custa mais.
Mas como moda é moda, são poucos os motoristas, atualmente, de bom senso que optam e ainda pagam menos por um sedã ou hatch. Mas ao contrários dos modismos do passado, o SUV corre o risco de permanecer por décadas, apesar de alguns designers terem afirmado que não passa do final dessa década. Pois as próprias fábricas estão firmemente interessadas em sua longevidade. Mas por que?
Por ser uma compra puramente emocional, sem nenhum argumento minimamente lógico, o SUV não precisa entregar nada mais que uma perua ou um sedã. Aliás, alguns entregam até menos, já que o freguês está obstinado em levar o SUV pra casa a qualquer preço, pois existe uma baita demanda e, por isso, menor desvalorização no mercado de usados.
O resumo da ópera é que, na ponta do lápis, fabricar um SUV pode custar o mesmo que um sedã, ou até menos. Mas a fábrica sabe que pode pedir de 10% a 20% mais por ele, aumentando consideravelmente a rentabilidade por unidade vendida. Então, sob o ponto de vista da montadora, se a compra é irracional, o freguês não faz as contas e paga mais levando menos, por que não perpetuar o SUV?
Você acompanha os vídeos do VRUM no YouTube e no DailyMotion? Então lembre-se de ativar o sininho e considere se inscrever nos canais para receber a notificação de novos conteúdos. E não se esqueça que o VRUM está também nas redes sociais – Facebook, Instagram e Twitter –, e, é claro, no portal vrum.com.br.
Confira os vídeos do VRUM nos canais do YouTube e DailyMotion: lançamentos, testes e dicas