Dá para confiar num produto que tem o adesivo de qualidade emitido por um órgão do governo? Nem sempre. O Instituto Nacional de Metrologia (do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior), por exemplo, dá umas escorregadas, principalmente quando o assunto é pneu.
Uma incontrolável derrapagem foi provocada pelo Inmetro em 2000, quando emitiu a "nota técnica" de número 83, sobre a reforma de pneus. Ela dizia que "a indústria nacional da reforma de pneus, principalmente a indústria do pneu remoldado, necessita importar pneu usado para a utilização da carcaça como matéria-prima. É dado facilmente comprovado que a utilização de pneu usado nacional, para obtenção de carcaça, é economicamente inviável, face às nossas condições de uso".
O Inmetro avalizava, na nota, o velho e inconsistente discurso das empresas que produziam pneus remoldados para justificar a importação de carcaças.
Em primeiro lugar, não competia ao órgão analisar a qualidade de pneus usados no Brasil nem compará-los com os importados.
O documento foi tão escandalosamente favorável ao setor dos pneus reformados que o próprio Inmetro reconheceu mais tarde o absurdo cometido e desmentiu oficialmente a nota.
Além disso, o Instituto de Pesquisas Tecnológicas de São Paulo (IPT) avaliou que, dos 22 milhões de pneus substituídos anualmente no país, mais de 40% (cerca de 10 milhões) poderiam ser aproveitados na operação de reforma.
Outro deslize do Inmetro: ao estabelecer os requisitos e parâmetros para a remoldagem de pneus, o órgão determinou, tim-tim por tim-tim, como deve ser a operação. Mas favoreceu novamente os "remoldadores" ao se "esquecer" de exigir que suas características originais continuassem estampadas na banda lateral do pneu remoldado.
Ou seja, preocupadas com a segurança, as normas européias para a remoldagem estabelecem que os índices de carga, velocidade, peso, etc. do pneu original permaneçam depois do reaproveitamento da carcaça usada.
Mas, no Brasil, pode acontecer de o prezado leitor equipar seu automóvel com ótimos pneus remoldados. Mas correr um risco incalculável na estrada, pois suas carcaças podem ter sido originalmente projetadas para automóveis de comportamento distinto. Um pneu para equipar uma Ferrari. O outro, para um jipe. Imaginem a diferença de comportamento de ambos numa curva ou numa freada brusca...
O "namoro" continua: no mês passado, o Inmetro derrapou novamente, ao contribuir para a vitória da associação dos reformadores de pneus (a ABR) no que diz respeito ao uso de pneus reformados em motos. O Contran, em boa hora, tinha proibido sua utilização na resolução número 158, de 2004. Mas a ABR recorreu da medida na justiça e ganhou (em primeira instância) na 2ª Vara da Justiça Federal de Brasília.
Pneus de automóveis, caminhões e até de aviões são reformados. Mas foram projetados para sua reutilização. Diferentemente das motos, que não circulam com pneus reformados em nenhum país de primeiro mundo.
O interesse das empresas que reformam pneus está resolvido. Mas quem cuida da segurança dos motociclistas?
Derrapagens do Inmetro
O lobby das empresas que reformam pneus zela por seus interesses. Mas quem cuida da segurança do cidadão brasileiro?