Nas últimas semanas, um dos assuntos mais comentados no país tem sido o plano de incentivos fiscais concedido pelo governo federal para a compra de carros com preços até R$ 120 mil. Não demorou muito para alguns batizarem o programa como o novo “carro popular”, ação que foi feita com sucesso no início dos anos 1990. Mas será que as condições atuais são as mesmas oferecidas no passado? Será que agora os menos privilegiados terão oportunidade de comprar um carro zero ou só as montadoras vão se dar bem nessa história?
Para começo de conversa, falar em carro popular com limite máximo de R$ 120 mil já sugere algo absurdo e contraditório. Se o consumidor menos abastado já estava encontrando dificuldades para comprar modelos com preços de R$ 69 mil – como Renault Kwid e Fiat Mobi –, imaginem os carros acima de R$ 100 mil. Um sonho de consumo ainda distante para muitos.
Ficou claro que o plano de incentivo do governo veio para beneficiar quem já tinha dinheiro e estava esperando o momento certo para investir na compra do carro zero, na esperança de ser beneficiado com descontos. Ganhou esse consumidor e a indústria automotiva, que voltou a vender e conseguiu movimentar seus estoques, saindo de um marasmo que já era preocupante.
Para o consumidor que depende do financiamento para comprar o chamado carro popular, a situação não melhorou tanto assim. Algumas montadoras ofereceram desconto real além das isenções do governo, e ainda acrescentam juros zero nos financiamentos de até 24 meses. Mas a surpresinha vem na hora de fechar o negócio: a taxa 0% só é oferecida para quem paga entradas de 60% a 80% do valor do carro.
Se o consumidor não tiver uma boa quantidade de dinheiro em mãos para comprar o seu sonhado carro popular, terá que arcar com taxas de juros mais altas, pagando prestações elevadas e perdendo todos os benefícios concedidos. No final, acaba pagando caro pelo carro do mesmo jeito.
Portanto, tudo indica que o plano de incentivo do governo vem dando certo, pois aumentou significativamente o movimento nas concessionárias, dobrando e até triplicando o número de vendas, mas não para o público que espera um carro popular com o preço ainda mais baixo que R$ 59 mil, que é o valor atual dos modelos mais baratos do mercado brasileiro.
Nos anos 1990, um carro popular era vendido por cerca de R$ 7.500, bem mais acessível à realidade do trabalhador brasileiro. Em 1994, um Fiat Uno Mille EXL zero era vendido por cerca de R$ 8 mil, mas vale lembrar que era um carro praticamente pelado, com equipamentos básicos. Não tinha ar-condicionado, direção hidráulica e muito menos sistemas de segurança.
Com as legislações atuais de segurança e emissões de poluentes, os carros não podem sair de fábrica sem airbags, freios ABS, controle de estabilidade e motores que atendam as exigências do Proconve L7. Esse é o forte argumento das montadoras para justificar a impossibilidade de reduzir ainda mais os preços de seus modelos mais simples.
De acordo com estudo feito pela Anfavea, se o preço do VW Fusca ressuscitado pelo então presidente Itamar Franco no início dos anos 1990 fosse corrigido pelo IGP-M, atualmente custaria cerca de R$ 80 mil. Muito dinheiro por um carro obsoleto, ultrapassado e inseguro.
Fica claro que a modernização dos automóveis, com a aplicação de sistemas de segurança e motores mais eficientes no quesito emissões, torna cada vez mais impossível a chance de voltarmos a ter um carro popular com preço realmente acessível à população menos privilegiada.
E como esse consumidor não consegue comprar o carro popular zero, acaba sendo obrigado a optar pelo usado mais barato, que na maioria das vezes tem motor poluente e em geral é desprovido de equipamentos de segurança. Isso faz com que a frota de veículos no Brasil fique cada vez mais velha, criando um problema grave para um futuro próximo.
A intenção do governo federal com os incentivos fiscais para a compra de carros até R$ 120 mil foi válida. As montadoras também contribuíram com os descontos adicionais nos preços de seus carros. Mas ainda é preciso mais esforço para trazer de volta um carro popular realmente acessível para quem tem o salário mínimo como referência.
As isenções fiscais são importantes, mas é preciso rever a margem de lucro das montadoras, que em geral vêm sendo agraciadas há décadas por benefícios significativos concedidos pelos governos federal e estaduais. É preciso pensar em modelos de custo baixo, mas sem abrir mão de segurança e dos baixos índices de emissões. Será que é possível ter um carro popular assim nos dias de hoje? Só o tempo nos dirá!
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